Donald Trump é eleito presidente dos EUA em um retorno marcado por desafios e divisões
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Publicado em 06/11/2024

Por Rômulo Menicucci

Em um desdobramento que parecia improvável há poucos anos, Donald Trump foi reeleito como presidente dos Estados Unidos. Após derrotar Kamala Harris, Trump retorna à Casa Branca, consolidando um apoio que, mesmo polarizado, revela o poder de uma base fiel, insatisfeita e determinada a ver na figura de Trump uma ruptura com o establishment político. A vitória representa não apenas a reemergência de um personagem central da política americana recente, mas também o acirramento de uma divisão social já alarmante. Esse novo capítulo reaviva um questionamento global: qual o futuro da democracia americana em um cenário de fortes tensões e polarizações?

 

A volta de um líder polarizador: apoio popular ou desconfiança institucional?

Trump é um fenômeno político que parece transcender o próprio Partido Republicano. Sua base de apoio – composta em grande parte por trabalhadores brancos, setores rurais e classes médias ressentidas – enxerga nele um defensor das "verdadeiras" tradições americanas. Seus seguidores, muitos dos quais se sentem negligenciados por Washington, consideram Trump a voz que luta contra o sistema que acreditam os ter abandonado.

No entanto, o próprio histórico de Trump desafia a lógica institucional que protege a democracia americana. Desde as acusações de conspiração até a retenção de documentos confidenciais, sua relação com a legalidade parece flutuar entre a irreverência e a impunidade. Para uma democracia que sempre prezou pela integridade de suas instituições, a reeleição de um presidente que testou esses limites pode ser vista como um sinal de alerta: até que ponto a democracia americana, com seus freios e contrapesos, será resiliente diante de uma liderança que frequentemente age como se estivesse além da lei?

 

Uma agenda de confrontação e o impacto no tecido social

Trump prometeu um segundo mandato de "purificação" nacional. Entre as promessas que mais ressoaram com seu eleitorado estão a expansão do controle nas fronteiras e a deportação em massa de imigrantes indocumentados. Sua política de "lei e ordem", que visa uma repressão ainda maior a protestos e movimentos civis, foi bem recebida por aqueles que consideram que a ordem social americana está em colapso. No entanto, muitos críticos observam que o endurecimento dessas medidas traz consigo o risco de acirrar o preconceito e a segregação, especialmente entre comunidades de imigrantes e grupos minoritários.

Esse tom inflexível levanta preocupações quanto ao impacto social. A narrativa de um "nós contra eles", empregada frequentemente por Trump, exacerba uma realidade já marcada por conflitos raciais e socioeconômicos. É possível que seu segundo mandato fortaleça uma cultura de divisões, em que a retórica dura deixa de ser apenas discurso e se concretiza em políticas públicas que visam desmantelar o que resta do diálogo pluralista no país. Isso coloca em risco o já frágil equilíbrio social nos EUA e pode gerar uma atmosfera de medo e insegurança, especialmente para os cidadãos mais vulneráveis.

 

Os reflexos no cenário internacional: o isolacionismo como regra

Para o mundo, a reeleição de Trump marca o retorno de uma liderança que se distancia dos acordos multilaterais e das alianças históricas. Sua posição em relação à Ucrânia é um exemplo crucial: durante sua campanha, Trump questionou a continuidade do apoio militar americano ao país europeu, uma declaração que preocupa líderes e populações que ainda enfrentam a ameaça russa. Ao mesmo tempo, Trump defende uma parceria ainda mais forte com o Japão e a Coreia do Sul, o que pode intensificar tensões com a China e aumentar o risco de uma nova corrida armamentista no Pacífico.

Seu retorno traz também a promessa de reativar sanções contra o Irã e aprofundar o apoio a Israel. Essas medidas reforçam o isolamento americano de negociações internacionais que buscam soluções diplomáticas. Sua política externa, baseada na desconfiança de qualquer parceria que não traga "vantagens diretas" aos EUA, consolida um caminho onde o país se distancia das pautas globais mais complexas, como as mudanças climáticas e os direitos humanos. O efeito dessa postura, no entanto, pode ter consequências profundas para a economia mundial e para a segurança global.

 

O teste de resiliência da democracia americana

Mais do que qualquer presidente recente, Trump representa um desafio ao próprio sistema democrático americano. Sua retórica – que nega as normas estabelecidas e fomenta teorias conspiratórias – foi decisiva para a invasão do Capitólio em 6 de janeiro de 2021, um evento que abalou a confiança nas instituições e que, até hoje, deixa marcas no processo democrático americano. Esse histórico coloca uma sombra sobre seu segundo mandato: até que ponto os EUA estarão preparados para resistir a uma liderança que, por vezes, se coloca acima da própria Constituição?

Para o Partido Democrata, o retorno de Trump é uma oportunidade e um desafio. Há a urgência de refletir sobre as causas da derrota e sobre o que leva milhões de americanos a optarem por um líder que divide tanto quanto inspira. As causas de tal apoio provavelmente vão além de um simples apego ao conservadorismo e revelam questões sociais profundas, como a precarização do trabalho e o sentimento de perda de identidade nacional, que o Partido Republicano soube transformar em bandeiras.

 

Um futuro incerto, um desafio coletivo

Trump está de volta, mas a questão que permanece é: o que essa vitória representa para o futuro dos Estados Unidos e, talvez, para o futuro da democracia ocidental? Em um momento em que as democracias liberais enfrentam questionamentos em todo o mundo, o segundo mandato de Trump será observado com cautela. Seu retorno pode significar, para alguns, uma oportunidade de correção de rota, mas, para outros, representa a intensificação de uma crise de legitimidade que ameaça os próprios alicerces do sistema democrático.

À medida que o país se prepara para enfrentar quatro anos de uma liderança fortemente conservadora e confrontacional, resta saber até que ponto a sociedade americana, polarizada e fragmentada, encontrará meios de se reconstituir. E para o mundo, a incerteza é igualmente preocupante: uma América voltada para si mesma talvez não seja mais o pilar da estabilidade global, mas uma nação que põe à prova a eficácia e os valores de um sistema que até agora simbolizava democracia e liberdade.

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